Um robô privado na Lua em 3 anos: esse é o X Prize Lunar do GOOGLE
O artigo abaixo foi publicado na Scientific American Brasil na edição desse mês, e faz um relato do trabalho da equipe que liderada o Prêmio X Prize Lunar do Google. Esse prêmio oferece 20 milhões de dólares para a primeira empresa ou equipe não governamental a enviar um robô à Lua, deslocá-lo por 800 metros e enviar vídeos. Veja aqui os locais de pousos escolhidos pela equipes.
Numa área enlameada coberta de pedregulhos às margens do rio Monongahela, em Pittsburgh, um robô em forma de pirâmide de quase 1,70 m de altura com câmeras que lembram olhos girava lentamente sobre quatro rodas de metal, acionado por um motor elétrico com um leve chiado. Num trailer próximo, alunos da Carnegie Mellon University amontoavam-se em torno de um laptop para observar o mundo pelos olhos do robô. Nas imagens preto e branco de baixa resolução na tela do laptop a paisagem sulcada se parecia um pouco com a Lua – o destino final do robô.
O professor de robótica da Carnegie Mellon William “Red” Whittaker e seus alunos construíram o jipe Red (em homenagem ao seu criador) para participar do X PRIZE Lunar da Google, competição criada para promover o papel de empresas privadas no espaço e inspirar a inovação na tecnologia de voos espaciais. O prêmio de US$ 20 milhões será entregue à primeira equipe não governamental que conseguir pousar um robô na Lua, fazer com que ele se desloque por cerca de 800 metros e enviar imagens de vídeo de alta definição para a Terra. Tudo isso até o final de 2015.
Um segundo prêmio de US$ 5 milhões, além de bônus para outras peripécias, como chegar ao local onde a Apollo pousou, eleva o valor a mais de US$ 30 milhões. Embora 26 equipes estejam competindo, o grupo de Whittaker claramente lidera essa corrida. Sua empresa, a Astrobotic Technology, foi a primeira a pagar antecipadamente para um foguete transportar sua nave e jipe para a Lua. Whittaker também se destacou na construção de veículos automatizados capazes de navegar em ambientes extremos.
O X PRIZE Lunar chega no momento da grande virada do programa espacial americano. Em 2010, seguindo as recomendações do Comitê de Revisão dos Planos de Voos Espaciais Tripulados, o presidente americano Barack Obama orientou a Nasa a encorajar empresas privadas proprietárias de artefatos espaciais ou que operassem espaçonaves a substituir os ônibus espaciais aposentados.
Com investimentos e verbas fornecidos pela Nasa partiu-se do princípio de que as empresas privadas estavam aptas a projetar e construir espaçonaves mais rapidamente e a custos mais razoáveis que as grandes empresas contratadas pelo governo. Com o mesmo espírito, o X PRIZE Lunar se propõe promover uma nova classe de missões planetárias privadas, utilizando naves menos dispendiosas e com comprometimentos políticos mais curtos – menores que um mandato presidencial. Os pesquisadores pagariam então às empresas privadas para lançar seus veículos robóticos e instrumentos. A Nasa forneceu seus próprios incentivos – um adicional de US$ 30,1 milhões, compartilhados por seis grupos para superar os desafios técnicos que tanto afetaram o desempenho de seus veículos robóticos como, por exemplo, sobreviver à gélida noite lunar. O destino de empresas privadas especializadas em voos espaciais pós-X PRIZE Lunar é bastante incerto e nem todos estão convencidos de que existe um mercado para esses serviços, mas os pesquisadores estão otimistas com a perspectiva de que a ciência espacial possa ser custeada por empresas comerciais.
O concurso x prize tem um precursor, o X Ansari, no valor de US$ 10 milhões, concluído em 2004, quando o SpaceShipOne se tornou o primeiro veículo manufaturado tripulado a deixar a atmosfera. Essa nave é um avião acionado por foguetes construído pela Scaled Composites sediada em Mojave, na Califórnia, e financiado por Paul Allen, bilionário da Microsoft. A Virgin Galactic agora está financiando o SpaceShipTwo. Ela recebeu mais de US$ 60 milhões em depósitos de pessoas interessadas em pagar US$200 mil cada uma pela oportunidade de flutuar na microgravidade e observar a Terra de longe. A Nasa contratou a Virgin e seis outras empresas privadas para colocar no espaço equipamentos científicos a bordo do SpaceShipTwo e outras espaçonaves para realizar experimentos em condições atípicas como transferir combustível em ambiente sem gravidade. Os organizadores do X PRIZE Lunar esperam replicar esse sucesso em missões planetárias robóticas.
Poucas pessoas são tão qualificadas a colocar um robô na Lua como Red Whittaker, que aos 63 anos foi provavelmente o maior incentivador do desenvolvimento da robótica de campo – ampliar o uso de robôs fora de ambientes controlados como na indústria automotiva, liberando-os para realizar tarefas úteis de campo. Nos anos 80 ele projetou e construiu robôs que exploraram áreas altamente radioativas e danificadas por um acidente da usina nuclear de Three Mile Island. Desde essa época, como fundador e diretor do Centro de Robótica de Campo da Carnegie Mellon, Whittaker construiu sua carreira desbravando o novo campo de veículos autônomos. Ele criou robôs que caçam meteoritos nas terras geladas da Antártida e robôs que descem pelas crateras de vulcões ativos no Alasca e na Antártida.
Whittaker começou a planejar o Lunar X PRIZE em 2007, enquanto participava de uma competição diferente: o Urban Challenge (Desafio Urbano) da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa dos Estados Unidos, realizado na antiga Base George da força aérea, em Victorville, Califórnia. Com um grupo denominado “Tartan Racing” Whittaker e seus alunos criaram uma parceria com a General Motors, Continental e outros patrocinadores para criar o Chevy Tahoe – um carro sem motorista chamado “Boss” (chefe). Embora tenha vencido a primeira corrida mundial de veículos autônomos em ruas urbanas, Whittaker imediatamente concluiu o planejamento de um curso da Carnegie Mellon intitulado Desenvolvimento Avançado de Robôs Móveis. Os objetivos simplificados do curso, de acordo com sua descrição no catálogo da Carnegie Mellon, são “detalhar, analisar e simular um veículo robótico para pousar na Lua, fazer os testes de campo do protótipo de um jipe lunar, enfrentar os desafios do empreendimento e comunicar o progresso da missão por escrito, por fotografias e em vídeo”. O curso é aberto aos alunos de qualquer área e nível da Carnegie Mellon. Praticamente à mesma época Whittaker fundou uma empresa comercial, a Astrobotic Technology, juntamente com o conceituado e experiente empreendedor espacial David Gump que a dirigia. Gump foi agressivamente atrás de patrocinadores corporativos e clientes potenciais, enquanto Whittaker contribuiu com seu conhecimento acumulado por quase 30 anos de pesquisa na área no Centro de Robótica de Campo. Entre os patrocinadores da Astrobotic está a Alcoa, sediada em Pittsburgh, que doou o alumínio necessário para a nave que transportaria o jipe.
Whittaker, que já foi da marinha e é filho de uma mãe química e pai vendedor de explosivos, avalia que fazer uma das criações do grupo pousar na Lua pode representar o ápice de uma carreira dedicada a colocar robôs no solo, na água, debaixo d’água, subterrâneos – exatamente em todos os ambientes extremos da Terra. Vencer o desafio de pousar na Lua não significa apenas ganhar o primeiro prêmio. Para ele, a Astrobotic não será bem-sucedida se não vencer também todos os objetivos dos bônus. “Se você não fizer tudo”, considera, “você não fez nada.”
Ciência de foguetes
Na visão de whittaker, para colocar a espaçonave e o jipe da Astrobotic na Lua é preciso começar com o foguete SpaceX Falcon 9. Criado com a finalidade de reduzir o custo do acesso ao espaço o SpaceX pode ser o dispositivo facilitador da competição X PRIZE Lunar da Google. Whittaker acredita que o foguete SpaceX será a única opção para todas as equipes da competição. Segundo ele, todos os participantes americanos têm o SpaceX em mente. Mesmo assim, o custo de lançamento será a única grande despesa para qualquer grupo. Embora mais barato que outros foguetes de mesma categoria, o preço estabelecido para o lançamento do Falcon 9 ainda é de US$ 54 milhões – mais de duas vezes o prêmio máximo do concurso. Os competidores do SpaceX relutam em discutir seus arranjos para o lançamento, mas está claro que o SpaceX já derrubou o mercado com o único maior contrato de lançamento comercial da história – um negócio de US$ 492 milhões com a Iridium, empresa de comunicação por satélite.
Depois que o Red deixar a atmosfera terrestre na ponta do Falcon 9 o conjunto espaçonave-jipe da Astrobotic lançará sua ogiva protetora suavemente e o motor do segundo estágio do foguete manterá a nave e o jipe no curso para a Lua, numa viagem de cinco dias. Softwares de orientação, navegação e controle desenvolvidos na Carnegie Mellon manterão o foguete na rota. O software é uma decorrência direta do código que habilitou a Tartan Racing a vencer o Urban Challenge. Os desafios computacionais da condução autônoma e da pilotagem de espaçonaves não são muito diferentes – a mesma matemática resolve os dois problemas, por isso os softwares são parecidos. A principal diferença, segundo Kevin Peterson, membro da equipe da Astrobotic, é a falta de GPS para guiar o veículo. A nave plota então sua trajetória até a Lua usando estrelas, a Lua e a Terra como referência.
Uma vez em órbita a nave e o jipe precisam descer até a superfície da Lua. Em 1969, o astronauta Neil Armstrong pilotou o módulo lunar de sua órbita até um local específico na Lua, enquanto evitava possíveis riscos como blocos rochosos e crateras. Mas os 400 mil quilômetros de distância entre a Terra e seu satélite impõem um atraso na comunicação, o que impede um piloto na Terra de controlar sua rota em tempo real. Por isso o software da nave deverá executar automaticamente o que Armstrong fez manualmente. Um motor primário de descida é acionado para desacelerar a nave à medida que ela se aproxima da Lua, enquanto pequenos propulsores mantêm a estabilidade do veículo. Pousando dois dias depois do amanhecer lunar, o veículo libera duas rampas (uma segunda, de reserva, é liberada no caso de uma pedra ou cratera obstruir a primeira). As travas que mantêm as rampas dobradas contra a escada são preparadas para se romper sob calor intenso. Depois de as rampas baixarem até atingir o solo o jipe deslizará pela rampa até a superfície da Lua, inspecionando o ambiente com olhos binoculares.
A poeira lunar é muito escorregadia para permitir uma leitura precisa da distância percorrida contando as voltas dadas pelas rodas do jipe. Por isso o computador de bordo calcula as distâncias comparando a mudança na aparência de alguns aspectos da superfície à medida que o robô se desloca. Componentes resistentes à radiação protegerão o computador da radiação cósmica e solar que bombardeia continuamente a Lua.
De volta a Pittsburgh, membros da equipe do controle da missão da Astrobotic trabalharão em turnos de 24 horas durante o longo dia lunar usando um fluxo contínuo de imagens de baixa resolução para guiar o jipe Red até os locais de interesse (como o local de pouso da Apollo). O jipe deverá evitar os perigos da superfície lunar automaticamente e enviar vídeos de alta definição em blocos de dados criptografados, pelo menos um imediatamente após o pouso e outro mais tarde para atender às exigências do X PRIZE. O jipe também enviará e-mails e fará postagens no tweeter e Facebook.
Um dos grandes desafios técnicos da equipe é certificar-se de que o Red sobreviva aos extremos da noite e do dia lunares, cada um equivalente a duas semanas terrestres. Durante a longa noite lunar as temperaturas onde a equipe planeja o pouso da missão caem vertiginosamente de mais de 120oC durante o dia para cerca de -170oC. Quaisquer componentes que contenham traços de água, como baterias, sofrerão danos irreparáveis quando esse líquido congelar e expandir. Os únicos veículos que conseguiram sobreviver a esses extremos diurnos e noturnos foram os jipes lunares soviéticos controlados remotamente, chamados Lunokhods, nos anos 70. Para mantê-los aquecidos o projeto de construção baseava-se na radiação produzida por isótopos de polônio radioativo. Mas a Astrobotic e outras empresas privadas que participam do X PRIZE não têm acesso a esses materiais rigorosamente controlados. Para proteger o jipe de superaquecimento estruturas de fibra de carbono, que envolvem as células das baterias, dissipam o calor para a parte externa do jipe. Na longa noite, o Red deverá hibernar. Ele despertará com o Sol para acionar baterias de fosfato de ferro e lítio sem água, cuidadosamente testadas pelo então aluno de graduação de engenheira mecânica Charles Muñoz.
Esse é o tipo de inovação de baixo custo que o X PRIZE deverá inspirar. Embora a Astrobotic tenha boas chances de vencer a corrida, enfrenta fortes competidores como a Índia e a Rússia que estão competindo em parceria, e a China que está construindo, sozinha, um jipe cujo funcionamento durante toda a noite lunar se baseará num radioisótopo. Se qualquer um deles chegar à Lua antes, o prêmio máximo cairá para US$ 15 milhões.
A equipe de whittaker também espera forte competição de outros participantes do X PRIZE. A Moon Express sediada em Mountain View, Califórnia, com o apoio de Naveen Jain, bilionário cofundador da empresa e outros investidores poderosos, poderá ser o projeto com mais recursos entre as equipes concorrentes. Ele entrou na disputa apenas em 2010, três anos depois de o torneio ter sido anunciado, por isso está defasado em relação à Astrobotic. Mas ele está recuperando o atraso com uma plataforma de nave espacial já existente desenvolvida pela Nasa. Outro participante é a Next Giant Leap, sediada em Boulder, Colorado, sob o comando de Michael Joyce, ex-piloto da força aérea americana, agora empreendedor. A empresa de Joyce juntou-se à Draper Laboratory (que projetou os sistemas de orientação, navegação e controle para guiar a Apollo até a Lua), um grupo do Massachusetts Institute of Technology e a divisão de sistemas espaciais da Sierra Nevada Corporation. Eles estão construindo uma inovadora nave “saltitante” que dispensa o uso de veículo. A nave reativa os propulsores que utiliza para se aproximar do solo para subir novamente e percorrer distâncias curtas até as áreas de interesse, aos saltos. A ideia parece funcionar, mas somente se Joyce conseguir levantar os fundos necessários.
Os organizadores do X PRIZE Lunar esperam que com a construção dos veículos o mercado se abrirá, pois desenvolver jipes e colocá-los na Lua deve estimular o crescimento de um novo mercado. A Astrobotic, por exemplo, está oferecendo espaço a bordo de sua nave e jipe a um valor estimado de US$ 1,8 milhão e US$ 2 milhões por quilograma, respectivamente, mais uma “taxa de integração” de US$ 250 mil. Para pesquisadores como Douglas Currie, físico da University of Maryland, pelo menos um lugar garantido por um preço fixo numa missão comercial seria uma benesse. Currie e seus colegas querem colocar um conjunto de retrorrefletores de raios laser na Lua para realizar medidas que poderão ser 100 vezes mais precisas que as feitas com a montagem deixada pelos astronautas da Apollo – mas apenas se houver missões disponíveis, capazes de transportar os equipamentos.
Talvez os benefícios mais duradouros do X PRIZE sejam inspirar a próxima geração de cientistas e engenheiros. A corrida trouxe um ar de estimulante realidade para o curso de desenvolvimento do robô móvel avançado de Whittaker. Durante a última semana de aulas, em abril do ano passado, membros da equipe de estruturas da Astrobotic movimentavam-se apressadamente nas oficinas de cerca de 300 m2 do Laboratório de Robótica Planetária da Carnegie Mellon, completamente comprometidos com o desenvolvimento do projeto do jipe lunar. Alguns testam o mecanismo de fragmentação das travas metálicas, alternativa para as travas explosivas comuns, que soltam as rampas da nave permitindo que o jipe explore a superfície lunar. A aluna de graduação Kanchi Nayaka e um grupo de colegas colocam uma câmera de vídeo de alta velocidade sobre um tripé para gravar a simulação. Os alunos então acionam um interruptor e 17,9 segundos depois a trava se rompe com um estrondo e os gonzos da rampa se abrem baixando-a até o solo, pronta para a saída do jipe.
“Impressionante!” exclama Nayaka. Ela se afasta da câmera e lança um sorriso largo para um visitante. “Você deve dar sorte!”
Por Michael Belfiore é jornalista e palestrante da área de inovações que moldam nosso futuro. Também é autor de Rocketeers: how a visionary band of business leaders, engineers, and pilots is boldly privatizing space (HarperCollins, 2008).
Fonte: Scientific American Brasil, maio 2012
Embarque para a Lua |
O próximo veículo robótico a pousar na superfície lunar pode não ser iniciativa da Nasa e de seus especialistas em astronáutica, mas de alunos universitários e empresas privadas que trabalham com recursos bem menores |
ANDREW HETHERINGTON |
O professor de robótica da Carnegie Mellon William “Red” Whittaker e seus alunos construíram o jipe Red (em homenagem ao seu criador) para participar do X PRIZE Lunar da Google, competição criada para promover o papel de empresas privadas no espaço e inspirar a inovação na tecnologia de voos espaciais. O prêmio de US$ 20 milhões será entregue à primeira equipe não governamental que conseguir pousar um robô na Lua, fazer com que ele se desloque por cerca de 800 metros e enviar imagens de vídeo de alta definição para a Terra. Tudo isso até o final de 2015.
Um segundo prêmio de US$ 5 milhões, além de bônus para outras peripécias, como chegar ao local onde a Apollo pousou, eleva o valor a mais de US$ 30 milhões. Embora 26 equipes estejam competindo, o grupo de Whittaker claramente lidera essa corrida. Sua empresa, a Astrobotic Technology, foi a primeira a pagar antecipadamente para um foguete transportar sua nave e jipe para a Lua. Whittaker também se destacou na construção de veículos automatizados capazes de navegar em ambientes extremos.
O X PRIZE Lunar chega no momento da grande virada do programa espacial americano. Em 2010, seguindo as recomendações do Comitê de Revisão dos Planos de Voos Espaciais Tripulados, o presidente americano Barack Obama orientou a Nasa a encorajar empresas privadas proprietárias de artefatos espaciais ou que operassem espaçonaves a substituir os ônibus espaciais aposentados.
Com investimentos e verbas fornecidos pela Nasa partiu-se do princípio de que as empresas privadas estavam aptas a projetar e construir espaçonaves mais rapidamente e a custos mais razoáveis que as grandes empresas contratadas pelo governo. Com o mesmo espírito, o X PRIZE Lunar se propõe promover uma nova classe de missões planetárias privadas, utilizando naves menos dispendiosas e com comprometimentos políticos mais curtos – menores que um mandato presidencial. Os pesquisadores pagariam então às empresas privadas para lançar seus veículos robóticos e instrumentos. A Nasa forneceu seus próprios incentivos – um adicional de US$ 30,1 milhões, compartilhados por seis grupos para superar os desafios técnicos que tanto afetaram o desempenho de seus veículos robóticos como, por exemplo, sobreviver à gélida noite lunar. O destino de empresas privadas especializadas em voos espaciais pós-X PRIZE Lunar é bastante incerto e nem todos estão convencidos de que existe um mercado para esses serviços, mas os pesquisadores estão otimistas com a perspectiva de que a ciência espacial possa ser custeada por empresas comerciais.
O líder da equipe da Astrobotic,Red Whittaker, ao lado de um modelo em escala 1:10 do foguete Falcon 9 que lançará seu robô ao espaço. |
Poucas pessoas são tão qualificadas a colocar um robô na Lua como Red Whittaker, que aos 63 anos foi provavelmente o maior incentivador do desenvolvimento da robótica de campo – ampliar o uso de robôs fora de ambientes controlados como na indústria automotiva, liberando-os para realizar tarefas úteis de campo. Nos anos 80 ele projetou e construiu robôs que exploraram áreas altamente radioativas e danificadas por um acidente da usina nuclear de Three Mile Island. Desde essa época, como fundador e diretor do Centro de Robótica de Campo da Carnegie Mellon, Whittaker construiu sua carreira desbravando o novo campo de veículos autônomos. Ele criou robôs que caçam meteoritos nas terras geladas da Antártida e robôs que descem pelas crateras de vulcões ativos no Alasca e na Antártida.
Whittaker começou a planejar o Lunar X PRIZE em 2007, enquanto participava de uma competição diferente: o Urban Challenge (Desafio Urbano) da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa dos Estados Unidos, realizado na antiga Base George da força aérea, em Victorville, Califórnia. Com um grupo denominado “Tartan Racing” Whittaker e seus alunos criaram uma parceria com a General Motors, Continental e outros patrocinadores para criar o Chevy Tahoe – um carro sem motorista chamado “Boss” (chefe). Embora tenha vencido a primeira corrida mundial de veículos autônomos em ruas urbanas, Whittaker imediatamente concluiu o planejamento de um curso da Carnegie Mellon intitulado Desenvolvimento Avançado de Robôs Móveis. Os objetivos simplificados do curso, de acordo com sua descrição no catálogo da Carnegie Mellon, são “detalhar, analisar e simular um veículo robótico para pousar na Lua, fazer os testes de campo do protótipo de um jipe lunar, enfrentar os desafios do empreendimento e comunicar o progresso da missão por escrito, por fotografias e em vídeo”. O curso é aberto aos alunos de qualquer área e nível da Carnegie Mellon. Praticamente à mesma época Whittaker fundou uma empresa comercial, a Astrobotic Technology, juntamente com o conceituado e experiente empreendedor espacial David Gump que a dirigia. Gump foi agressivamente atrás de patrocinadores corporativos e clientes potenciais, enquanto Whittaker contribuiu com seu conhecimento acumulado por quase 30 anos de pesquisa na área no Centro de Robótica de Campo. Entre os patrocinadores da Astrobotic está a Alcoa, sediada em Pittsburgh, que doou o alumínio necessário para a nave que transportaria o jipe.
Whittaker, que já foi da marinha e é filho de uma mãe química e pai vendedor de explosivos, avalia que fazer uma das criações do grupo pousar na Lua pode representar o ápice de uma carreira dedicada a colocar robôs no solo, na água, debaixo d’água, subterrâneos – exatamente em todos os ambientes extremos da Terra. Vencer o desafio de pousar na Lua não significa apenas ganhar o primeiro prêmio. Para ele, a Astrobotic não será bem-sucedida se não vencer também todos os objetivos dos bônus. “Se você não fizer tudo”, considera, “você não fez nada.”
O corpo piramidal do jipe Red está alinhado com dispositivos solares como os mostrados para captar a luz solar em ângulos diferentes. |
Ciência de foguetes
Na visão de whittaker, para colocar a espaçonave e o jipe da Astrobotic na Lua é preciso começar com o foguete SpaceX Falcon 9. Criado com a finalidade de reduzir o custo do acesso ao espaço o SpaceX pode ser o dispositivo facilitador da competição X PRIZE Lunar da Google. Whittaker acredita que o foguete SpaceX será a única opção para todas as equipes da competição. Segundo ele, todos os participantes americanos têm o SpaceX em mente. Mesmo assim, o custo de lançamento será a única grande despesa para qualquer grupo. Embora mais barato que outros foguetes de mesma categoria, o preço estabelecido para o lançamento do Falcon 9 ainda é de US$ 54 milhões – mais de duas vezes o prêmio máximo do concurso. Os competidores do SpaceX relutam em discutir seus arranjos para o lançamento, mas está claro que o SpaceX já derrubou o mercado com o único maior contrato de lançamento comercial da história – um negócio de US$ 492 milhões com a Iridium, empresa de comunicação por satélite.
Depois que o Red deixar a atmosfera terrestre na ponta do Falcon 9 o conjunto espaçonave-jipe da Astrobotic lançará sua ogiva protetora suavemente e o motor do segundo estágio do foguete manterá a nave e o jipe no curso para a Lua, numa viagem de cinco dias. Softwares de orientação, navegação e controle desenvolvidos na Carnegie Mellon manterão o foguete na rota. O software é uma decorrência direta do código que habilitou a Tartan Racing a vencer o Urban Challenge. Os desafios computacionais da condução autônoma e da pilotagem de espaçonaves não são muito diferentes – a mesma matemática resolve os dois problemas, por isso os softwares são parecidos. A principal diferença, segundo Kevin Peterson, membro da equipe da Astrobotic, é a falta de GPS para guiar o veículo. A nave plota então sua trajetória até a Lua usando estrelas, a Lua e a Terra como referência.
Uma vez em órbita a nave e o jipe precisam descer até a superfície da Lua. Em 1969, o astronauta Neil Armstrong pilotou o módulo lunar de sua órbita até um local específico na Lua, enquanto evitava possíveis riscos como blocos rochosos e crateras. Mas os 400 mil quilômetros de distância entre a Terra e seu satélite impõem um atraso na comunicação, o que impede um piloto na Terra de controlar sua rota em tempo real. Por isso o software da nave deverá executar automaticamente o que Armstrong fez manualmente. Um motor primário de descida é acionado para desacelerar a nave à medida que ela se aproxima da Lua, enquanto pequenos propulsores mantêm a estabilidade do veículo. Pousando dois dias depois do amanhecer lunar, o veículo libera duas rampas (uma segunda, de reserva, é liberada no caso de uma pedra ou cratera obstruir a primeira). As travas que mantêm as rampas dobradas contra a escada são preparadas para se romper sob calor intenso. Depois de as rampas baixarem até atingir o solo o jipe deslizará pela rampa até a superfície da Lua, inspecionando o ambiente com olhos binoculares.
A eletrônica que orienta o Red foi desenvolvida para sobreviver ao dia escaldante e à gélida noite lunar. |
De volta a Pittsburgh, membros da equipe do controle da missão da Astrobotic trabalharão em turnos de 24 horas durante o longo dia lunar usando um fluxo contínuo de imagens de baixa resolução para guiar o jipe Red até os locais de interesse (como o local de pouso da Apollo). O jipe deverá evitar os perigos da superfície lunar automaticamente e enviar vídeos de alta definição em blocos de dados criptografados, pelo menos um imediatamente após o pouso e outro mais tarde para atender às exigências do X PRIZE. O jipe também enviará e-mails e fará postagens no tweeter e Facebook.
Um dos grandes desafios técnicos da equipe é certificar-se de que o Red sobreviva aos extremos da noite e do dia lunares, cada um equivalente a duas semanas terrestres. Durante a longa noite lunar as temperaturas onde a equipe planeja o pouso da missão caem vertiginosamente de mais de 120oC durante o dia para cerca de -170oC. Quaisquer componentes que contenham traços de água, como baterias, sofrerão danos irreparáveis quando esse líquido congelar e expandir. Os únicos veículos que conseguiram sobreviver a esses extremos diurnos e noturnos foram os jipes lunares soviéticos controlados remotamente, chamados Lunokhods, nos anos 70. Para mantê-los aquecidos o projeto de construção baseava-se na radiação produzida por isótopos de polônio radioativo. Mas a Astrobotic e outras empresas privadas que participam do X PRIZE não têm acesso a esses materiais rigorosamente controlados. Para proteger o jipe de superaquecimento estruturas de fibra de carbono, que envolvem as células das baterias, dissipam o calor para a parte externa do jipe. Na longa noite, o Red deverá hibernar. Ele despertará com o Sol para acionar baterias de fosfato de ferro e lítio sem água, cuidadosamente testadas pelo então aluno de graduação de engenheira mecânica Charles Muñoz.
Esse é o tipo de inovação de baixo custo que o X PRIZE deverá inspirar. Embora a Astrobotic tenha boas chances de vencer a corrida, enfrenta fortes competidores como a Índia e a Rússia que estão competindo em parceria, e a China que está construindo, sozinha, um jipe cujo funcionamento durante toda a noite lunar se baseará num radioisótopo. Se qualquer um deles chegar à Lua antes, o prêmio máximo cairá para US$ 15 milhões.
A equipe de whittaker também espera forte competição de outros participantes do X PRIZE. A Moon Express sediada em Mountain View, Califórnia, com o apoio de Naveen Jain, bilionário cofundador da empresa e outros investidores poderosos, poderá ser o projeto com mais recursos entre as equipes concorrentes. Ele entrou na disputa apenas em 2010, três anos depois de o torneio ter sido anunciado, por isso está defasado em relação à Astrobotic. Mas ele está recuperando o atraso com uma plataforma de nave espacial já existente desenvolvida pela Nasa. Outro participante é a Next Giant Leap, sediada em Boulder, Colorado, sob o comando de Michael Joyce, ex-piloto da força aérea americana, agora empreendedor. A empresa de Joyce juntou-se à Draper Laboratory (que projetou os sistemas de orientação, navegação e controle para guiar a Apollo até a Lua), um grupo do Massachusetts Institute of Technology e a divisão de sistemas espaciais da Sierra Nevada Corporation. Eles estão construindo uma inovadora nave “saltitante” que dispensa o uso de veículo. A nave reativa os propulsores que utiliza para se aproximar do solo para subir novamente e percorrer distâncias curtas até as áreas de interesse, aos saltos. A ideia parece funcionar, mas somente se Joyce conseguir levantar os fundos necessários.
Os organizadores do X PRIZE Lunar esperam que com a construção dos veículos o mercado se abrirá, pois desenvolver jipes e colocá-los na Lua deve estimular o crescimento de um novo mercado. A Astrobotic, por exemplo, está oferecendo espaço a bordo de sua nave e jipe a um valor estimado de US$ 1,8 milhão e US$ 2 milhões por quilograma, respectivamente, mais uma “taxa de integração” de US$ 250 mil. Para pesquisadores como Douglas Currie, físico da University of Maryland, pelo menos um lugar garantido por um preço fixo numa missão comercial seria uma benesse. Currie e seus colegas querem colocar um conjunto de retrorrefletores de raios laser na Lua para realizar medidas que poderão ser 100 vezes mais precisas que as feitas com a montagem deixada pelos astronautas da Apollo – mas apenas se houver missões disponíveis, capazes de transportar os equipamentos.
Talvez os benefícios mais duradouros do X PRIZE sejam inspirar a próxima geração de cientistas e engenheiros. A corrida trouxe um ar de estimulante realidade para o curso de desenvolvimento do robô móvel avançado de Whittaker. Durante a última semana de aulas, em abril do ano passado, membros da equipe de estruturas da Astrobotic movimentavam-se apressadamente nas oficinas de cerca de 300 m2 do Laboratório de Robótica Planetária da Carnegie Mellon, completamente comprometidos com o desenvolvimento do projeto do jipe lunar. Alguns testam o mecanismo de fragmentação das travas metálicas, alternativa para as travas explosivas comuns, que soltam as rampas da nave permitindo que o jipe explore a superfície lunar. A aluna de graduação Kanchi Nayaka e um grupo de colegas colocam uma câmera de vídeo de alta velocidade sobre um tripé para gravar a simulação. Os alunos então acionam um interruptor e 17,9 segundos depois a trava se rompe com um estrondo e os gonzos da rampa se abrem baixando-a até o solo, pronta para a saída do jipe.
“Impressionante!” exclama Nayaka. Ela se afasta da câmera e lança um sorriso largo para um visitante. “Você deve dar sorte!”
Por Michael Belfiore é jornalista e palestrante da área de inovações que moldam nosso futuro. Também é autor de Rocketeers: how a visionary band of business leaders, engineers, and pilots is boldly privatizing space (HarperCollins, 2008).
Fonte: Scientific American Brasil, maio 2012
Um robô privado na Lua em 3 anos: esse é o X Prize Lunar do GOOGLE
Reviewed by OTÁVIO JARDIM ÂNGELO
on
21:50
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Olá, Otávoio!!!!
ResponderExcluirPena que o Brasil não participe da competição!!!!
Que vença o melhor!!!!
Um abraço!!!!!