Ciência na ditadura: avanços, retrocessos e cientistas perseguidos

Amanhã (31 de março) será lançado o site do Projeto “Ciência na Ditadura”, a mesma data em que os militares tomaram o poder. A iniciativa já reúne informações sobre 471 cientistas perseguidos durante o regime militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. O público poderá participar sugerindo nomes de cientistas que ainda não foram incluídos ou corrigindo e complementando os dados publicados. Basta acessá-lo, clique AQUI

O regime militar foi uma época conturbada da história nacional. Mesmo antes do golpe (que alguns historiadores chamam de revolução civil-militar, visto que alguns setores da sociedade o apoiavam), o clima já estava complicado. Compartilhe no Facebook


De um lado, uma extrema esquerda que queria instaurar no Brasil uma "democracia" nos moldes de Cuba, com Brizola pregando o fechamento do Congresso, como exemplo. A resposta veio de forma brutal: uma revolução militar que colocaria o Brasil "no caminho certo", mas que após os primeiros anos e devido a violência crescente dos setores comunistas, tornou-se uma ditadura sanguinária e cruel. Foram entre 400 e 475 desaparecidos políticos e 126 vítimas da guerrilha empreendida por organizações de esquerda.

É inegável que durante esse período foram criados as principais obras de Engenharia no país, e houveram alguns avanços na área da ciência e tecnologia (que o regime considerava estratégico). Como exemplo, podemos citar a Unicamp, que cresceu bastante no período e a própria Capes como conhecemos hoje, criada nesse período. Alguns do objetos do Observatório do Valongo foram adquiridos por acordos internacionais, deliberadamente pleiteados por alguns militares.
Na área espacial, tivemos a criação do Centro de Lançamento Barreira do Inferno (CLBI) e, portanto o 1º lançamento em território nacional, a criação do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço)
 e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Também foi criada a noção da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que pretende (até hoje!) criar 4 satélites com aplicações ambientais, desenvolver um veículo lançador de satélites e uma base espacial, tudo com tecnologia nacional.
Também é importante dizer dos avanços na tecnologia nuclear, numa disputa com a Argentina.
"O período de 1968-1974 foi marcado por três iniciativas para o desenvolvimento científico no país, são elas as reformas universitárias; a institucionalização da pós-graduação; a criação da carreira de dedicação exclusiva, portanto todas ligadas às universidades. Podemos perceber que essas iniciativas fixaram os pesquisadores aqui no país e aumentou significativamente o financiamento nas áreas da ciência e da tecnologia." [*]
No primeiro aniversário do golpe, 300 intelectuais (sendo 77 do Rio), muitos deles cientistas, assinaram um manifesto em apoio à "revolução", que foi publicado nos jornais. Entre os seus assinantes estavam o então reitor da UFRJ, o diretor do Instituto de Física e diversos pesquisadores de destaque da UFRJ, em particular da área das ciências da saúde.

Porém, a ciência brasileira perdeu muito também.

Cito o período difícil que a Fundação Fiocruz passou, sendo antes um referência na saúde, e que na ditadura tornou-se irrisória, e ainda sob o regime, tentou se reergueu. O fechamento do Instituto Central de Ciências, tão sonhado por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. 
Outros centros de pesquisa sofreram fortes represálias ou tentativas de destruição, como a UnB (Universidade de Brasília), que perdeu 79% dos professores, a maioria por demissão voluntária; a USP (Universidade de São Paulo), um forte reduto cultural anti-ditadura; e o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), que teve suas experiências quase destruídas.
Um caso impressionante foi o do pesquisador José Leite Lopes, antes preso e que posteriormente teve sua aposentadoria imposta. Com a saída dele, o acelerador de partículas, que estava sendo construído na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) foi desmontado. Mas, para a UFRJ, o período militar foi um processo de modernização e instrumentalização dos seus laboratórios.
Outro cientista preso foi Mario Schenberg, referência em física no Brasil. com o decreto AI-5 (o mais autoritário) Mario Schenberg, José Leite Lopes, Jayme Tiomno e Elisa Frota-Pessoa foram aposentados compulsoriamente e expurgados das universidades em que trabalhavam.

O site, iniciado há cerca de um ano, é realizado por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST).

Segundo os pesquisadores responsáveis pelo trabalho, é necessário resgatar histórias não conhecidas de cientistas que foram presos, torturados, assassinados, exilados, demitidos, aposentados, submetidos a inquéritos militares ou sofreram boicotes relacionados a trabalhos científicos e intelectuais. Todos eram acusados de ser simpatizantes de ideologias de esquerda.

Agrupar todos os casos em uma única base de dados permitirá a revisão de nossa história recente e a melhor compreensão dos desdobramentos da política repressiva no cenário científico brasileiro. Para cada cientista, é elaborado um verbete com informações sobre as violências sofridas e prejuízos à carreira. Há também um acompanhamento sobre os rumos tomados por cada profissional prejudicado, saber quais foram para o exterior, a faixa etária média, se depois da anistia foram recontratados, entre várias outras questões ligadas à trajetória do pesquisador após as perseguições.

Escrito por Otávio Jardim Ângelo - blog Da Terra Para As Estrelas


Fonte: 
 - Assessoria de Imprensa - MAST (Rodrigo Monteiro)
 - IBICT (23 de março 2015)
 - A Ciência e política durante a ditadura (dissertação de mestrado, José Eduardo Clemente)
 - Anais do Simpósio Nacional de Historia - 2011 (História Política e Cultural da Ciência  - Brasileira no Período da Ditadura Militar)
 - Wikipédia
 - Revista Ciência e Cultura (dez 2014)
A Conquista do Espaço (livro da AEB)
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